sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Dois anos depois

Teve muita dor. Da minha parte, muita culpa também. Pouco mais de 2 anos sem postar nada por aqui. Não sabia bem o que dizer. Não sabia bem de mim depois que eu e Marta nos separamos.  Um salto que dei no abismo, no escuro. Muito escuro.
Hoje estava arrumando meu novo computador, junto de uma nova vida que a poucos meses começa a re-fazer sentido e vi nossa primeira foto de família depois da separação. Uma festa na escola do José, quando luzes enfim voltavam a brilhar na minha vida, quase extatos 2 anos da última postagem aqui.
E me veio essa reflexão e a vontade de seguir escrevendo sobre a família dos meus filhos, agora de mães separadas.
Aos poucos essa relação  vai se reconfigurando em um novo lugar e vai sendo possível achar velhos lugares de companheirismo e troca sobre as crianças, lugares de troca no trabalho, que fazem bem. Vai sendo possível .ampliar.
Hoje voltei do trabalho, como acontece as vezes, de carona com a Marta e a Tarsila. - namorada dela - e tem ainda a minha namorada e a relação das crianças com todas e a possibilidade de eu e Marta falarmos sobre a reação das crianças nessa nova configuração e seguir. construindo.
Ainda não sei bem porque dei o salto, porque encontrei o escuro. Vivi. Aprendi coisas por lá. Vi a Marta criar asas lindas de borboleta e voar. To vendo brotar minhas asas também. Talvez por isso.
Voemos. porque é lindo descobrir novos ares. E desse novo alimentar nossos filhos.


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Estrelinha...


Faz uma semana essa conversa e tentando conta-la para minha mãe, percebi que estava esquecendo os detalhes e que esse é um capítulo importante da vida da minha filha Clarissa e que os grandes capítulos eu vinha escrevendo aqui. Então vim. Registrar.


Clarissa tem perguntado mais claramente sobre sua família de origem. Aos 6 anos, atingiu a idade da razão e está sendo capaz de compreensões surpreendentes. Antes da elaboração, no entanto, ela passou umas semanas manhosas, birrentas e isso, normalmente, indica alguma angustia que ela vai conseguir dividir um pouco mais tarde. Até que chegou a pergunta: "Por que a moça que me teve na barriga não me quiz?". Ficamos baratinadas. Minha primeira resposta foi: não sei se ela não te quiz. Sei que você tinha que encontrar sua família de verdade, que era a nossa família. Ela sabia que você ia encontrar suas mamães de verdade em algum lugar.  Estávamos engolindo seco para dar as respostas, desviamos o assunto.
O dia seguinte era o dia internacional da adoção. Depois de pensar muito, voltamos ao tema com as crianças. Explicamos que era um dia especial. Que a gente celebrava as crianças que nasceram de uma barriguinha "emprestada". E que na nossa família, os três haviam nascido dessa forma! A mamãe Marta emprestou a barriga pra mamãe Laura ser também mãe da Rosa, a mamãe Laura emprestou a barriga para a mamãe Marta ser também mãe do José e a moça que a gente não conhece emprestou a barriga para sermos mamães da Clarissa. E então perguntamos: e quem sabe o nome disso? De quando a gente usa uma barriga emprestada para nascer? E a Clarissa: amor? Sim, amor pode ser o outro nome de adoção... 
Ficamos mais tranquilas porque tivemos a certeza de que o principal ela sabia. Mas as questões não pararam por aí. Afinal, não tínhamos respondido nada direito... No mesmo dia a noite, a Clarissa viu uma moça amamentando e perguntou: "Eu mamei no peito da moça da barriga?" E a Marta: "Sim". 
E Clarissa: "E quando eu mamava no peito dela, ela era minha mãe?"
Dessa vez eu não estava. Marta falou: você quer que eu conte tudo que eu sei dessa moça? Clarissa concordou.
A história contada foi a verdade. Em liguagem que ela pudesse entender. A moça estava muito doente. Sabia que não podia ser mamãe de ninguém. "Como ela sabia?", Clarissa interrompeu. Marta explicou que tem momentos em que não conseguimos cuidar nem da gente, então não podemos cuidar de outro. Mas que quando a Clarissa nasceu, ela ainda não sabia como fazer para a Clarissa encontrar sua família de verdade. Então ficou com ela e amamentou, que é o que se deve fazer com um bebezinho... Mas então a Clarissa também ficou doente e precisou ir para o hospital e foi aí que ela soube que era a hora. Que no hospital cuidariam melhor dela e poderiam ajuda-la a encontrar sua família. E assim foi. Clarissa ficou feliz com a resposta e pediu que Marta contasse tudo novamente quando estivéssemos todos juntos para que os irmãos e eu, Mãe Laura, ouvíssemos a história. Quando chegamos no carro ela pediu para a Marta: "conta mamãe...". Marta então retomou toda a história. Dessa vez, Clarissa fez dois adendos. Quando chegou na parte do hospital ela perguntou: "Mas eu não fiquei triste quando ela me deixou lá?". Respondi que talvez sim, deve ter ficado com saudades, mas que também ficou feliz "porque você estava muito fraquinha sem poder andar, correr brincar... e no hospital cuidaram de você e você foi podendo fazer todas essas coisas!" Mas Clarissa seguiu:
- Ela já morreu?

Eu:
- Não sei, filha.
Ela:
- Eu acho que sim, porque essa história faz muuuuuuuito tempo...
Eu:
- Talvez você tenha razão... (a moça era doente e vivia na rua...)
Ela:
- Mamãe, quando a gente morre vira estrelinha?
Eu:
Isso, filha....
E ela não tocou mais no assunto. Tem uma semana. Acho que, por ora, a estrelinha resolveu para ela esse lugar da origem. Achei lindo como ela construiu sozinha esse caminho para uma explicação que lhe faria bem... E vamos em frente. Até a próxima construção!






domingo, 10 de maio de 2015

Sobre o dia das mães

Já posso ser considerada uma mãe experiente: 3 filhos, nenhum bebê... O mundo virou de cabeça pra baixo desde que eles foram nascendo, chegando, e assim ficou. Mas não posso mais me espantar. Já faz parte da minha rotina. Perdi o prazo que concedem às mães para enlouquecer e/ou se dedicar integralmente aos filhos. Afinal, o menor já tem 3 anos e eu devo ser capaz de ser para além deles. E eu finjo que sou. Finjo que a experiência conta de alguma coisa. Finjo que um dia não é completamente diferente do outro e que não fico mais completamente baratinada, atordoada e apaixonada a  cada coisa que eles fazem. Finjo que já não sinto tanto medo. Mas talvez o costume seja de que isso nunca vai mudar. Que o sobressalto nunca vai sair do meu peito. E aí agradeço a minha mãe e ao meu pai por sentirem isso por mim. É inexplicável. Feliz dia das mães! 

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Quando eu tinha zero...


Por aqui, bons ventos trazem nova vida e nova vida trás novos pensamentos. Nasceu a mais nova priminha dos meus filhos: Heloísa! Uma gracinha super cabeluda e saudável!

O que eu não esperava era que ela fosse causar tanta comoção nos meus filhotes. A pequena tem um irmão mais velho e eu achei que os ciúmes, inseguranças e reflexões estariam reservados para ele (e pros pobres pais dele...). Achei que minha cota de gerência nessa seara tinha se encerrado e imaginava até ajudar meu sobrinho e seus pais com minha vasta experiência de administração de irmãos.
Eis que fomos levar as crianças para conhecer a doce Heloísa. Logo que chegamos, a pequena estava mamando. Coloquei cada um no colo para que pudessem vê-la, uma vez que a cama do hospital é alta. O José imediatamente gritou: "mamá!! Qué mamá!!!" - chorando e exigindo peito também... Falei: filho, seu mama é na mamadeira que está lá em casa... A Heloísa é pequenininha e precisa mamar no peito da tia Irene quase o tempo todo! - Ao que ele respondeu: eu (pequeni) ninho! Eu qué mama!!! - foi o suficiente para eu questionar se o desmame dele (aos dois anos) foi muito cedo... Na verdade, suficiente para ele questionar isso... Mas mal deu tempo de me preocupar com o José. A Rosa fez um carinho na cabecinha de Heloísa, mas logo em seguida começou um esforço histérico de chamar a atenção. O que não é de todo do feitio dela... Chamava a cada segundo e resolveu criar uma brincadeira de acordo com ela muito engraçada, que envolvia dar tapinhas no meu rosto...! Quando eu já não agüentava mais, ela diz: mamãe, finge que você é a tia Irene e eu sou a Heloísa?

Mas, pensei eu, tudo bem: olha pra Clarissa! Olha como nossa mais velha é mocinha e ficou toda encantada com a prima, quer ajudar a tomar conta, quer pegar no colo, não tira o olho do bebe e nem da Irene, uma graça! Até começarem as perguntas... Que, como sempre que o assunto e cabeludo, ela dirigiu a Marta:

Clarissa: mamãe, porque a tia Irene ta assim deitada? Como que o bebe saiu? Foi pela perereca?
Marta: na verdade filha, a tia Irene passou a noite sem dormir porque o bebe estava tentando sair pela perereca, mas teve um problema e ele não conseguiu. Aí o médico teve que abrir a barriga dela para tirar a Heloisa e por isso ela está cansada e com um pouco de dor. A gente não pode mexer nela, tá?
Clarissa: então o médico cortou ela e ela não dormiu e ela tá muito cansada... mas ela ta feliz?
Marta: sim filha, ela ta feliz.
Clarissa: ela ta feliz porque o bebe dela nasceu?
Marta: ela ta feliz porque ela encontrou a filhinha dela e a gente sempre fica feliz quando encontra nossos filhos.
Clarissa começa a chorar.
Marta: que foi filha?
Clarissa: Você gostava de mim quando eu tinha zero anos?
Marta: claro que gostava. Eu gostava de você desde antes de você nascer.
Clarissa: mas você não me conhecia quando eu tinha zero...
E daí foi difícil de acalmar... As perguntas não pararam. "Quando eu tinha zero eu nasci nesse hospital?", "Quando eu tinha zero eu tinha cabelo?"... E chorando. Fomos explicando as coisas devagar. Como o amor sempre esteve lá esperando nosso encontro. E fomos dando as informações que temos de quando ela tinha zero. Ela nasceu em um hospital (parecido com aquele) e pesava mais ou menos o mesmo que a Heloísa pesa hoje... Aos poucos ela foi acalmando.
Meu maior medo era ela perguntar da tal moça que carregou ela na barriga e deve ter ficado cansada como a tia Irene depois do parto e não saber dizer se ela estava feliz... Mas ela não me perguntou. Não sei se ela ainda não entende ou se não quer perguntar nada da "outra moça que a gente não conhece"como ela mesma diz. A verdade vai bem até certo ponto, mas passar do ponto que temos ido...ainda não sei se estou preparada.
O fato é que os três se identificaram com a nova bebe. Os três ainda tem bem perto a sensação de quando eles tinham zero... Claro, foi ontem! rs Ao menos pra mim... Meus bebezinhos que crescem a olhos vistos, mas no fim das contas nossa relação se resume a este vínculo e proteção e simbiose de uma mãe e seu recém nascido. Essa ainda é minha relação com os três. Não sei se isso muda...

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Quem nasceu primeiro? (mais complicado que o ovo e a galinha)

Rosa e Clarissa hoje discutiam sobre seus tamanhos. Elas se mediram e perceberam que não há diferença de estatura entre as duas. Mas a Clarissa dizia: - "Eu sou maior!" ao que a Rosa rebatia com a prova métrica "não é não!". Até que Clarissa explicou, certa de que ganhara a discussão: "Eu sou maior porque eu nasci primeiro!". E a Rosa: "Não Carissa! As mamães falaram que eu que nasci primeiro!". Tive que intervir. "Rosa, você nasceu depois, o que você sabe é que você foi nossa primeira filha, nasceu primeiro aqui em casa"
. E ela, pela primeira vez como se fosse uma grande vantagem, falou: "É, Carissa, você nasceu na casa azul!” - nome que damos ao abrigo onde a encontramos e onde, aliás, ela não nasceu... - . Fiquei preocupada. Não soube o que dizer por alguns instantes... Até que a própria Clarissa respondeu “Mas é que eu não conhecia vocês!”. E a Rosa completou: “É! E aí a gente te buscou de carro e você veio pra casa!” – a briga então virou harmonia e as duas tentavam se lembrar desse momento:
Clarissa: E eu era pequenininha.
Rosa: Eu eu desenhei eu e você.
Clarissa: Mas você não sabia desenhar e fazia só bola, bola, bola...(verdade...)
Rosa: Sabia sim!
Clarissa: E eu desenhei toda a família até o José 
Rosa: Eu também fiz o José.
Clarissa: Não, Rosa, porque eu era assim (dobrou um pouco os joelhos), você era assim (dobrou mais os joelhos) e o José era assim (deitou no chão em posição fetal!).



Morri de rir e chamei as duas para o café. A discussão voltou a ser quem vai dar o café da manhã para o baby bear, ursinho mascote da aulinha de inglês que está nos visitando... Fui percebendo que eu tinha ficado nervosa à toa. Mas a Rosa guarda com carinho o fato de ter sido a primeira. Tem foto dela só com a gente e, como foi difícil a chegada dos irmãos, cultivamos essa memória nela, eu acho. Como uma coisa boa... Ela sabe que foi ela quem realizou nosso sonho de ser mãe... Ao mesmo tempo, apesar de serem do mesmo tamanho, a Clarissa é a mais velha com todas as características de irmã mais velha... Cuida dos irmãos, as vezes acha eles uns “pirralhos”, como se dizia no meu tempo, e está crente que dialoga com os adultos de igual para igual... E sim, eu esqueço que ela não estava aqui desde o primeiro dia. Ainda bem que elas não. Fica mais fácil de entender a história quando elas contam... 

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Sabia que eu tenho um pai biológico?

Já me atentei que eu corro pra cá sempre que eu tenho alguma angustia ou alguma reflexão um pouco mais difícil onde escrever me ajuda. E hoje estou muito angustiada. Desde o último post, onde acabo de ver que comecei a falar neste assunto, Rosa não se acalmou em nada quanto aos seus questionamentos sobre pai. Mas, ao contrário da Clarissa, que pergunta suas questões de forma muito direta, a Rosa é mais subjetiva sobre as coisas que a afligem. Recentemente, passou uma semana em que, no turno da manhã, antes de ir para a escola, decidia chamar eu ou Marta de pai. Era "papai" pra cá, "papai" pra lá, de uma forma bastante insistente. Não negamos a ela o direito de nos chamar de pai. Afinal, somos pai e mãe dela, o que para mim é a mesma coisa. Como falo na peça que escrevi, "o que difere o nome é o gênero das pessoas." E é isso que eu explico pra ela: "Eu não sou pai porque sou menina, meninas são mamães e meninos são papais. Mas papai e mamãe são exatamente a mesmo coisa".
Apesar do esforço, parece que a explicação não está sendo o bastante. As brincadeiras de "papai" continuam. Sempre como brincadeira, é verdade. E eu me pegava pensando: se quando a gente brinca eu posso ser princesa, rainha, elefante e palhaço, porque não papai? - Mas depois de uma dessas manhãs, conversei com a Marta que achava que a gente deveria ir mais longe nas explicações. Sempre dissemos para ela que tinha um moço legal que tinha dado a sementinha para a gente poder colocar na barriga da mamãe. Ela inclusive já viu muitas vezes a foto do moço, quando ele era criança, pois fica no álbum de bebê dela. Mas nunca disse para ela que esse moço seria pai dela. Até porque não acho que seja. Pai é quem cria, este é apenas um doador de esperma... Mas... meio contra minhas próprias certezas, flexibilizei o discurso e disse: Rosa, sabia que você tem um pai biológico? É o moço que deu a sementinha pra você nascer. A gente não conhece ele e ele não faz parte da nossa família, mas nós achamos que ele é muito legal, pois sem a sementinha a gente não podia ter feito você... - Ela só ouviu. No dia seguinte acordou de manhã e falou para o José: José, sabia que eu tenho um pai biológico?" - e o irmão, do alto dos seus quase 2 anos respondeu: "Peppa, papai Pig!"... - Quase morri de rir do diálogo elaborado entre os dois.
Acontece que hoje, estávamos com um casal de amigos em casa e sua filha, Lia. Eles estão sempre aqui, são nossos grandes amigos e as crianças vivem brincando juntas. A Lia chamava o pai para brincar, quando a Clarissa chamou também o tio de papai. Isso é normal. A Lia também volta e meia me chama de mãe. As crianças repetem o que as outras estão falando e acaba que formamos uma espécie de "comunidade". Mas a Rosa corrigiu: "Não Caíssa, ele não é nosso papai, a gente tem um papai biológico!" O que será que quer dizer na cabecinha dela essa coisa de um papai biológico?! Imagino uma coisa meio biônica, um robô, será? - Tentei ajudá-la e falei: sim, filha, vocês tem um pai biológico, mas vocês não tem um papai na nossa família porque vocês tem duas mamães.- E continuei, do alto da minha insegurança, seguindo o conselho de uma amiga que disse que quando as crianças percebem isso não querem mais um pai: Pensa bem, se você tivesse um pai, ia ter que deixar de ter uma das mamães! Quem ia ir embora? - Falei, em tom de brincadeira. A Clarissa começou a rir e a fazer unidunitê entre eu e Marta causando gargalhada geral. Mas a Rosa chegou perto de mim e começou a fazer uma verdadeira cirurgia: "Primeiro corta o cabelo, tira essa roupa de menina, bota uma roupa de menino - não vai doer, eu juro - mas tira esses olhos de menina e coloca olhinhos de menino. Pronto. A mãe Laula virou um menino!", Eu tentei argumentar: "mas eu não quero ser menino, se eu quisesse a gente até podia fazer isso, Rosa. Mas eu gosto de ser menina." - Então ela disse: "Vem mãe Laula, a gente joga você na lixeila, pega o tio Raif (o compadre que estava lá em casa) e bota aqui." - Minha filha me jogou no lixo... Depois pegou o telefone de brinquedo e foi ligar para o seu pai biológico.
Para não chorar na frente dela, fui para o quarto. Comecei a escrever aqui. Ai me veio na cabeça que eu precisava continuar conversando com ela e nem era meu direito ficar magoada com uma criança de 3 anos. Subi, peguei ela no colo e trouxe para o quarto para colocar o pijama. Brincamos um pouco, rimos. Peguei um papel pra gente desenhar. E ela disse: "Ela bincadeila. Eu não quelo que você vá plo lixo". E eu: "Eu sei filha. Você sabe que a mamãe não pode ser papai porque é menina. Mas você sabia que tem um monte de meninos na nossa família que também te amam muito? Tem o seu padrinho - o Tio André -, o Tio Charlon, o Tio Filipe, o Tio Gui, o Vovô Sérgio, o Vovô Carlos Alberto e até o tio Raif. Vamos contar? São 7 meninos que cuidam e amam você!" Ela ficou toda animada! "E as meninas?", perguntou. Saímos enumerando todas as tias e avós. Feliz e contente, ela voltou a desenhar em cima do cartaz da minha peça "Aos Nossos Filhos", e copiou a letra F. "Mamãe, olha o que eu escrevi!". E eu disse, é F de filha. E ela: "Eu sou filha. F de Rosa. Filha da mãe Marta e da mãe Laula. Agora vou escrever o meu nome!" E, pela primeira vez, fez R - O - S... - "Mamãe me ajuda nesse?" - Mostrei o "A" do título da peça escrito no papel e ela completou: ROSA. A felicidade desse momento embaçou a preocupação imediatamente anterior. Estar do lado dela na primeira vez que ela escreveu o nome foi pura alegria e orgulho. Na verdade, foi esclarecedor. Foi um grito para acalmar minha insegurança. Minha filha linda, minha primeira filha, meu orgulho. A mamãe vai estar sempre aqui, tentando esclarecer, ajudar, guiar seu caminho. Tenho que cuidar para que minhas próprias inseguranças não se metam no meio e para que eu possa separar as suas questões dos meus medos e angustias.
Ver cada etapa do seu crescimento me acalma a alma. Muita paciência e atenção, pois não tem fórmula. Continuo tentando acertar e ajudar. Amanhã vou conversar na escola...

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Entendimentos de Rosa


A Rosa segue entre o bebê e a menina. É muito inteligente e joga bem na posição de irmã de meio. Hora é mocinha como a Clarissa, hora bebê como o José. Alguns acessórios de bebê conseguimos tirar esse ano: a fralda durante o dia e, o que parecia invencível: a chupeta! Mas no lugar da chupeta, entrou sempre um bonequinho que anda com ela para todos os cantos. O preferido: ursinho Pimpão! - o que faz dela uma espécie de bebe grande fofo e gostoso de apertar como o próprio ursinho.Enquanto ainda se utiliza desse elementos de segurança próprios dos mais pequenininhos, ao contrário dos outros dois irmãos que gritam todo tempo por atenção - ela, como boa irmã do meio (pelo menos assim era minha irmã do meio) - é a mais independente de todos. Brinca sozinha, fica horas sem chamar, vê televisão, inventa histórias com seus bonequinhos. E é só em alguns momentos quando estamos a sós com ela que podemos ver as incríveis coisas que passam por essa cabecinha. Um dos meus momentos favoritos é levar a Rosa ao banheiro para fazer cocô. Coisa de mãe maluca, quem pode gostar desse programa? Mas o fato é que ela não gosta de ficar sozinha e solicita companhia de uma mãe paciente - pois o processo pode levar cerca de 40 minutos! - e aí que começam as histórias. Recentemente ela vira pra mim no banheiro e fala:
- mamãe, eu sei muito bem quem são meus irmãozinhos. É o José e a Caíssa! 
- sim, filha, são os seus irmãos.
- só que eu nasci primeiro e depois nasceu o José e depois a Caíssa. 
- é filha, você foi o primeiro bebê que nasceu na nossa família. A Clarissa nasceu antes, mas ela só chegou na nossa família depois. E o José foi o ultimo a nascer.
- É mamãe, a Caíssa nasceu e a gente não sabia onde ela estava. A gente procurou ela em todo lugar. Atrás da cortina, embaixo do sofá, embaixo da mesa, atrás da porta...
- foi Rosa? E onde a gente achou ela? - Na casa dos amigos! E aí ela nasceu na nossa família. 

Vale dizer que para explicar a fila de adoção, dizemos que decidimos ter um filhinho e avisamos na Vara para eles procurarem nosso filhinho e aí ligaram porque acharam a Clarissa... 

Hoje, ainda a pouco, tivemos uma nova sessão banheiro. E ela disse:
- tem um dragãozinho bebe que tem duas mamães. O médico foi, ajudou a fazer ele e depois ele ficou com uma coisa verde no umbigo e nasceu. 

- Ah é? 
- é. Igual eu. Eu não nasci da sua barriga. Eu tava na barriga da mãe Marta e eu chutava você. 
- como é isso?
- você falava comigo e eu chutava na sua mão. Aí eu saí da barriga e fui pro seu colo.
- foi assim mesmo, Rosa. 
- mas aí o pai do dragãozinho morreu... 

Acabou e eu limpei ela e fomos para o quarto. Tem um mês que ela nos pergunta se o pai dela morreu... Já dissemos que não, que ela não tem pai, ou pelo menos não tem um que faça parte da nossa família, que tem um moço legal que deu uma sementinha e que assim, e com a ajuda de um médico, ela foi parar na barriga da mãe Marta e nasceu. E ela viu uma foto do nascimento com o cordão umbilical e por isso a coisa verde no umbigo do dragãozinho... rs
Mas acho que ela está precisando usar a morte para falar da ausência. Não no sentido de falta, mas nomeando o que não há. Enfim, vamos acompanhando mais essa etapa de seu entendimento nas idas ao toillet.
O melhor dessas histórias é a mistura do sonho e da realidade, do dragãozinho e da Rosa, da duvida às soluções puramente inventadas.
A Clarissa, também nos seus entendimentos, andou questionando o período de aproximação (quando visitávamos, mas ainda não podíamos levá-la para casa...). Ela lembrou algumas situações assim e tivemos a maior dificuldade de explicar. Acabou que ela só se acalmou quando falamos que foi um momento difícil para nós também. Ela disse que chorava e a gente contou que chorava também. Isso deu a ela um certo alento. A Rosa faz parte dessas conversas muitas vezes. Um desses dias, a Clarissa falou:
- lembra que eu tava na casa dos amigos e vocês foram embora e eu chorei?
E a Marta:
- lembro filha. E a gente também ficou muito triste.
Rosa: a mamãe Marta chorou, a mamãe Laula chorou, eu chorei e o José também chorou muito!
Marta: mas agora a gente ta juntinho e ninguém precisa mais chorar.
Rosa: É. E mamãe, você lembra que eu fui para casa do meu namorado, aquele que cozinha, e você chorou, a mãe Laula chorou, a Caíssa chorou, o José chorou e aí eu voltei pra nossa casa?
- lembro disso não, minha filha!
E assim seguimos explicando o mundo.