segunda-feira, 5 de maio de 2014

Sabia que eu tenho um pai biológico?

Já me atentei que eu corro pra cá sempre que eu tenho alguma angustia ou alguma reflexão um pouco mais difícil onde escrever me ajuda. E hoje estou muito angustiada. Desde o último post, onde acabo de ver que comecei a falar neste assunto, Rosa não se acalmou em nada quanto aos seus questionamentos sobre pai. Mas, ao contrário da Clarissa, que pergunta suas questões de forma muito direta, a Rosa é mais subjetiva sobre as coisas que a afligem. Recentemente, passou uma semana em que, no turno da manhã, antes de ir para a escola, decidia chamar eu ou Marta de pai. Era "papai" pra cá, "papai" pra lá, de uma forma bastante insistente. Não negamos a ela o direito de nos chamar de pai. Afinal, somos pai e mãe dela, o que para mim é a mesma coisa. Como falo na peça que escrevi, "o que difere o nome é o gênero das pessoas." E é isso que eu explico pra ela: "Eu não sou pai porque sou menina, meninas são mamães e meninos são papais. Mas papai e mamãe são exatamente a mesmo coisa".
Apesar do esforço, parece que a explicação não está sendo o bastante. As brincadeiras de "papai" continuam. Sempre como brincadeira, é verdade. E eu me pegava pensando: se quando a gente brinca eu posso ser princesa, rainha, elefante e palhaço, porque não papai? - Mas depois de uma dessas manhãs, conversei com a Marta que achava que a gente deveria ir mais longe nas explicações. Sempre dissemos para ela que tinha um moço legal que tinha dado a sementinha para a gente poder colocar na barriga da mamãe. Ela inclusive já viu muitas vezes a foto do moço, quando ele era criança, pois fica no álbum de bebê dela. Mas nunca disse para ela que esse moço seria pai dela. Até porque não acho que seja. Pai é quem cria, este é apenas um doador de esperma... Mas... meio contra minhas próprias certezas, flexibilizei o discurso e disse: Rosa, sabia que você tem um pai biológico? É o moço que deu a sementinha pra você nascer. A gente não conhece ele e ele não faz parte da nossa família, mas nós achamos que ele é muito legal, pois sem a sementinha a gente não podia ter feito você... - Ela só ouviu. No dia seguinte acordou de manhã e falou para o José: José, sabia que eu tenho um pai biológico?" - e o irmão, do alto dos seus quase 2 anos respondeu: "Peppa, papai Pig!"... - Quase morri de rir do diálogo elaborado entre os dois.
Acontece que hoje, estávamos com um casal de amigos em casa e sua filha, Lia. Eles estão sempre aqui, são nossos grandes amigos e as crianças vivem brincando juntas. A Lia chamava o pai para brincar, quando a Clarissa chamou também o tio de papai. Isso é normal. A Lia também volta e meia me chama de mãe. As crianças repetem o que as outras estão falando e acaba que formamos uma espécie de "comunidade". Mas a Rosa corrigiu: "Não Caíssa, ele não é nosso papai, a gente tem um papai biológico!" O que será que quer dizer na cabecinha dela essa coisa de um papai biológico?! Imagino uma coisa meio biônica, um robô, será? - Tentei ajudá-la e falei: sim, filha, vocês tem um pai biológico, mas vocês não tem um papai na nossa família porque vocês tem duas mamães.- E continuei, do alto da minha insegurança, seguindo o conselho de uma amiga que disse que quando as crianças percebem isso não querem mais um pai: Pensa bem, se você tivesse um pai, ia ter que deixar de ter uma das mamães! Quem ia ir embora? - Falei, em tom de brincadeira. A Clarissa começou a rir e a fazer unidunitê entre eu e Marta causando gargalhada geral. Mas a Rosa chegou perto de mim e começou a fazer uma verdadeira cirurgia: "Primeiro corta o cabelo, tira essa roupa de menina, bota uma roupa de menino - não vai doer, eu juro - mas tira esses olhos de menina e coloca olhinhos de menino. Pronto. A mãe Laula virou um menino!", Eu tentei argumentar: "mas eu não quero ser menino, se eu quisesse a gente até podia fazer isso, Rosa. Mas eu gosto de ser menina." - Então ela disse: "Vem mãe Laula, a gente joga você na lixeila, pega o tio Raif (o compadre que estava lá em casa) e bota aqui." - Minha filha me jogou no lixo... Depois pegou o telefone de brinquedo e foi ligar para o seu pai biológico.
Para não chorar na frente dela, fui para o quarto. Comecei a escrever aqui. Ai me veio na cabeça que eu precisava continuar conversando com ela e nem era meu direito ficar magoada com uma criança de 3 anos. Subi, peguei ela no colo e trouxe para o quarto para colocar o pijama. Brincamos um pouco, rimos. Peguei um papel pra gente desenhar. E ela disse: "Ela bincadeila. Eu não quelo que você vá plo lixo". E eu: "Eu sei filha. Você sabe que a mamãe não pode ser papai porque é menina. Mas você sabia que tem um monte de meninos na nossa família que também te amam muito? Tem o seu padrinho - o Tio André -, o Tio Charlon, o Tio Filipe, o Tio Gui, o Vovô Sérgio, o Vovô Carlos Alberto e até o tio Raif. Vamos contar? São 7 meninos que cuidam e amam você!" Ela ficou toda animada! "E as meninas?", perguntou. Saímos enumerando todas as tias e avós. Feliz e contente, ela voltou a desenhar em cima do cartaz da minha peça "Aos Nossos Filhos", e copiou a letra F. "Mamãe, olha o que eu escrevi!". E eu disse, é F de filha. E ela: "Eu sou filha. F de Rosa. Filha da mãe Marta e da mãe Laula. Agora vou escrever o meu nome!" E, pela primeira vez, fez R - O - S... - "Mamãe me ajuda nesse?" - Mostrei o "A" do título da peça escrito no papel e ela completou: ROSA. A felicidade desse momento embaçou a preocupação imediatamente anterior. Estar do lado dela na primeira vez que ela escreveu o nome foi pura alegria e orgulho. Na verdade, foi esclarecedor. Foi um grito para acalmar minha insegurança. Minha filha linda, minha primeira filha, meu orgulho. A mamãe vai estar sempre aqui, tentando esclarecer, ajudar, guiar seu caminho. Tenho que cuidar para que minhas próprias inseguranças não se metam no meio e para que eu possa separar as suas questões dos meus medos e angustias.
Ver cada etapa do seu crescimento me acalma a alma. Muita paciência e atenção, pois não tem fórmula. Continuo tentando acertar e ajudar. Amanhã vou conversar na escola...